segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Só que estou na minha casa de memórias procuro dela sair.
Incomodam-me estas coisas que restam, pedaços de mim que me não largam.
Não encontro a porta.
Porventura não a quero encontrar porque são meus aqueles pedaços. Esquecê-los, destruí-los, seria esquecer-me de mim.
E se eu de mim não lembro, quem se lembrará?
Fico, então, por aqui, revendo isto, recheirando aquilo, chafurdando em mim.
Tenho que fazer meus aqueles pedaços de mim. Porque o são.
Vislumbro, assim procedendo, a porta por onde entrei.
Mas não é porta. Porque não é casa.
Não existe isso da casa. Não sou aldeia com ruas e moradias, quelhas e prédios.
Sou só e sempre eu. Só.
Seguirei o caminho pavimentado com o que fiz, faço e farei. Onde me leva, para onde vou, não sei.
Saí de coisa nenhuma, mas saí.
Sei que não estarei só.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Coisas que não sei

Dançam em mim coisas que não sei. Mas como volteiam se as não sei? Talvez porque apenas as persigo com o olhar sem as ver. Não sei, portanto, que coisas são essas. Sei apenas que por ali andam à espera não sei de quê ou, quem sabe, porque eu não sei, somente esperando que eu as veja.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Entretém

Esta palavra.
Quem se entretém está aquém do ter e, se assim se mantiver, nunca lá há-de chegar.
Está num intervalo do que seja.
Entretenho-me, assim, nisto, e nada chego a ter. Fico entre o aqui e o ali, algures no meio de coisa nenhuma.
E, no entanto, nesta terra de ninguém, encontro o conforto de nada ser ou ter.
Ter e Ser - tão distintas coisas e tão confundidas hoje.
Mas muito mais difícil a segunda.
Por isso, por comodidade, talvez, nos habituámos a Ser o que Temos.
Ora, se Somos o que Temos, se isso queremos e aceitamos, estamos verdadeiramente perdidos naquele entretém.
Ficamos frágeis porque o Ter se perde e destroi muito mais facilmente do que o Ser.
Tentemos, por isso, deixar o entre e o ter e procuremos Ser.
Por mais difícil que Ser seja.
 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O início.


Não é inocente, ou melhor, que de inocência não falamos, não é por acaso, que este é o primeiro post deste blog.
Surge, neste dia, com o conteúdo que se segue, porque pretendo também celebrar uma certa independência.
Minha e de mim.
E aqui vai.

1 de Dezembro de 2014. 


Há 374 anos, nesse dia e mês, ocorreu a Restauração da Independência de Portugal.

Esse dia, designado como Primeiro de Dezembro ou Dia da Restauração, foi comemorado anualmente em Portugal desde o tempo da Monarquia Constitucional. Em 1910, uma das primeiras decisões da República Portuguesa foi passá-lo a feriado nacional como medida popular e patriótica.

E assim foi, até recentemente.

No mesmo dia, mas do ano de 1934,1934, ocorreu a publicação da única obra literária completa, publicada em vida, por Fernando António Nogueira Pessoa - "Mensagem".

Aqui fica registado e, em parte recordada, quer o dia, quer a obra:

PRIMEIRA PARTE: BRASÃO
Bellum sine bello.
I. OS CAMPOS
PRIMEIRO / O DOS CASTELOS
«A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.»

SEGUNDA PARTE: MAR PORTUGUEZ
Possessio maris.
II. HORIZONTE
«O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.»

e, ainda:
TERCEIRA PARTE: O ENCOBERTO
Pax in excelsis.
III. OS TEMPOS
QUINTO / NEVOEIRO
«Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Valete, Frates.»